Tenho… uma terrivel necessidade… devo dizer a palavra?… de religião. Então, saio de noite e pinto as estrelas.
Vincent Van Gogh
ra uma vez um miúdo que nasceu completamente careca, nesse dia maravilhoso que foi 11 de Julho de 1970. O miúdo cresceu – o cabelo também – e quando fez 6 anos o seu pai levou-o ao lugar onde trabalhava, um lugar misterioso onde objectos mágicos chamados Livros nasciam. O pai era um feiticeiro que domesticava monstros mecânicos barulhentos , cujas bocas de cilindro engoliam lençóis de papel para os transformar em páginas de Livros Maravilhosos. Contudo, nesse dia, o menino descobriu uma outra coisa que mudaria para sempre a sua vida… podia subir para cima dessas enormes folhas de papel, e com algumas canetas, lápis e pincéis, também ele transformá-las em algo maravilhoso e único. E foi assim que coisas que antes apenas viviam dentro da sua cabeça pululavam agora alegremente nestas planícies brancas: Um pequeno monstro com grande mau feitio; formigas; elefantes; aviões; dois meninos que decidiu chamar João e Miguel; planetas; bolas de sabão; girafas; um tubarão zangado e um peixinho nervoso; foguetões; um gigante que se sentia só; gatos; dois cães a preto-e-branco; grandes ondas num mar de guache; barcos; uma locomotiva com rodas de carica; 1000 grãos de areia, ou seriam estrelas? já nem sei bem; um passarinho muito triste e um pinguim violinista. Ah!… E casas, muitas casas.
O menino sentiu borboletas na barriga ao aperceber-se que neste universo só seu podia ser criador e criatura, personagem principal e secundário, explorador e habitante. E que este universo só seu podia ser de todas as outras pessoas também. Nessa noite sonhou que um dia desenharia casas que podiam ser livros, e pintaria livros que podiam ser casas. Sonhou que era astronauta, e que voava veloz num foguetão, num universo sarapintado de purpurina e estrelas de papel. Sonhou que um arco-íris nascia bem no meio das sua mãos. O menino cresceu. O cabelo caiu, e porque a vida é um eterno retorno, voltou a ser careca. Sem nunca largar as canetas, os lápis e os pincéis, estudou arquitectura, enamorou-se de uma linda menina chamada Natalina com quem se casou e pintou o João e o Miguel, e também um passarinho chamado Pintarriscos que os inspirou, entre outras coisas, a transformar paredes em livros gigantes. Pintou um monte de livros, leu uma montanha de livros. Apaixonou-se pelo mar, pela música e pela vida. Aprendeu que podia passear em cima das ondas. Ainda não é astronauta, mas anda sempre com a cabeça no lado oculto da lua. Adora café, chá e canela (especialmente se for acompanhada por um bom dióspiro) e papas em geral. E tocar ukulele. Mas esta é uma outra história.